Água Viva
Fotolivro desenvolvido para conclusão da cadeira de Fotografia do curso de Licenciatura em Artes Visuais na UFPE, conduzida pelo querido professor Eduardo Romero Barbosa.
A primeira vez que li Água Viva, de Clarice, foi na adolescência e na ocasião comecei a escrever num caderninho rosa minha interpretação para cada trecho que gostava no que chamei de "Estudo sobre Água Viva", em uma das páginas divaguei que: " Imagino ela escrevendo esse livro, é como se tivesse prendido a respiração e num alívio, ao inspirar, profundamente, e soltar, escreveu de uma só vez, nesse instante que o oxigênio preenche o corpo inteiro, soltou tudo num impulso só, aquele pensamento não muito concreto na cabeça que toma corpo no próprio papel e da falta de sentido surge um sentido que somente cada nova leitora pode atribuir." Retomo esse livro agora adulta e tento ao invés de verbalizar, traduzir com imagens esse acontecimento. Essa é uma possível jornada visual para adentrar no mar de águas vivas com Clarice e comigo.
Sou um coração
batendo
no mundo
















E Deus é uma criação monstruosa. Eu tenho medo de Deus porque ele é total demais para o meu tamanho. E também tenho uma espécie de pudor em relação a Ele: há coisas minhas que nem Ele sabe. P.92
Aliás não quero morrer. Recuso-me contra "Deus". Vamos não morrer como desafio? P.94


O mundo não tem ordem visível e eu só tenho a ordem da respiração.
Deixo-me acontecer.
Estou dentro dos grandes sonhos da noite: pois o agora-já é de noite. E canto a passagem do tempo: P.24
Quero dentro desta noite que é mais longa que a vida, quero, dentro desta noite, vida crua e sangrenta e cheia de saliva. P.25


Quero ser enterrada com o relógio no pulso para que na terra algo possa pulsar o tempo. P. 44
E conheço também um modo de vida que é suave orgu-lho, graça de movimentos, frustração leve e contínua, de uma habilidade de esquivança que vem de longo caminho antigo. Como sinal de revolta apenas uma ironia sem peso e excêntrica. Tem um lado da vida que é como no inverno tomar café num terraço dentro da friagem e aconchegada na lã.
Conheço um modo de vida que é sombra leve desfraldada ao vento e balançando leve no chão: vida que é sombra flutuante, levitação e sonhos no dia aberto: vivo a riqueza da terra.
Sim. A vida é muito oriental. Só algumas pessoas esco-Ihidas pela fatalidade do acaso provaram da liberdade esquiva e delicada da vida. É como saber arrumar flores num jarro: uma sabedoria quase inútil. Essa liberdade fugitiva de vida não deve ser jamais esquecida: deve estar presente como um eflúvio. P.69